Com os olhos tristes e marejados de lágrimas, o punho cerrado, o coração apertado, ele disse: Sabe Senhora? Sabe o que sinto? Um grito mudo, que faz você estremecer todo por dentro, mas que, ninguém além de você ouve. É isso, Senhora! Não se preocupe, gosto disso: procurar um sentido para minha vida sem significados. Talvez você pense que eu seja uma pessoa amarga, de alma perturbada, depressiva ou algo que o valha. Mas não! Apenas falo, exponho o que sinto, embora às vezes pareça sem sentido. Mas o sentido de tudo que fazemos está em nós. Está dentro de nós - a chama que alimenta a vida - que, certamente, um dia há de apagar. Se cada um de nós vê o mundo do seu jeito, como podemos dizer se esse ou aquele seja um jeito errado? Não existe caminho certo ou errado. O que existe são escolhas. Apenas isso. O que passar disso é uma mera interpretação. Uma visão do mundo. Mas agora vou te contar um sonho que tive: Numa noite de agonia, após vários copos de vodka, minhas pálpebras pesaram e sem mais nem menos, de repente, me pego em frente ao prédio em que trabalho. Era um dia que ventava muito, estava nublado, nesses dias as pessoas andam meio curvadas e olhando para baixo. Acho que é por causa do frio, e por isso senti como se ninguém no mundo fosse capaz de me ver. Adentrei o prédio e quando cheguei ao elevador apertei o número 5, é o numero do andar em que trabalho. Só que quando as portas se abriram, percebi que estava no térreo. Achei muito estranho, mas mesmo assim saí em direção à rua e logo percebi que estava sendo seguido. Existem momentos na vida que não podemos voltar atrás, não porque não queremos, mas por que não há mais como voltar porque o tempo não volta, não para.Temos que seguir em frente, continuei. Sentia um medo que percorria à espinha. Por um instante cheguei a pensar que meu coração iria sair pela boca, daí respirei fundo e continuei a caminhar. Do outro lado da rua as arvores balançavam, as janelas dos prédios todas fechadas, eu gritava por socorro, mas era um grito mudo, já sentiu isso? Um grito mudo, que faz você estremecer todo por dentro, mas que ninguém além de você ouve? Quando levantei a cabeça estava em minha frente um homem com uma arma na mão; fiquei atônito, e num golpe ágil me virei, em vão, ouvi o disparo. Fui ao chão. Quando acordei estava em um necrotério com duas jovens de pele clara, pareciam estagiárias cortando e dissecando gente como se fossem animais. Quando olhei, pensei que estava morto, mas em seguida, outra mulher entra na sala com ar de superioridade para fazer a análise do meu corpo. Ela fechou o punho e desferiu um forte golpe em meu peito. Dei um grito alto e estrondoso tamanha à intensidade do soco e da dor. Quando recuperei o fôlego, perguntei a ela quais seriam minhas chances de sobrevivência. Ela me disse que haviam três balas alojadas no meu tórax. Seria uma cirurgia difícil e que o quadro era complicado, mas que minha vida não dependia dela. Disse que estava em minhas mãos. Como minha vida está em minhas mãos, se as balas estavam em meu peito? Naquele momento não entendi aquela ponderação. Foi quando as luzes de minha vida se apagaram. Então quando abri os olhos novamente estava eu caminhando em uma estrada estreita - uma “estrada de chão”. Num lugar lindo, com verdes pastagens. Logo à frente avistei um cavalo branco que mais parecia cinza, olhos cinza e opacos. Sua cor era branca. Ele vinha de uma longa jornada e lugares distantes, porque dava para ver seu pelo, estava sujo e seu aspecto era de muito cansaço. Quando me aproximei dele era como se eu estivesse indo ao encontro de mim mesmo; via ali meu reflexo naquele animal. Cheguei bem pertinho, passei minhas mãos sobre sua crina e o acariciei. Olhei seus olhos amargurados e cansados, foi quando ele me disse: _ “viu o que você fez com sua vida?”
_ È magoei você, né? Sei que foi culpa minha. Agora vejo o que fiz.
_ você não, mas suas escolhas ao longo da vida.